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Reformas! Para quê?*

Afinal, quando transitamos efetivamente do domínio da reforma para o da mundança?

reformas

Antes que a cegueira midiática me rotule de conservador, ainda que de fato o seja ̶  assumidamente ̶ , no sentido biocultural do termo, desejo antecipar que o uso feito pelos meios de comunicação, bem como pelas campanhas dos candidatos e candidatas a presidente da República do Brasil, da palavra “reforma”, é manifestamente enganoso, se aceitamos a linguagem, não na forma de um sistema simbólico, ao modo do pensamento corrente, porém como um fenômeno biológico, segundo propõe o doutor Humberto Maturana, em “Reality: The Search for Objectivity or the Quest for a Compelling Argument”[1].

Com efeito, o uso simbólico da palavra “reforma” induz ao equívoco de que a “ação de reformar” equivale à “ação de mudar”. Não raro ouvimos jornalistas perguntarem por reformas e candidatos as prometerem como se tal providência fora expressão ou sinônimo de mudança de um certo estado de coisas para outro. Ledo engano! Não é bem assim. No fundo, quem da palavra reforma se vale para propor alguma mudança ignora a natureza biológica da linguagem ou o faz de má-fé, na tentativa de enganar o ouvinte, e, no caso dos candidatos e candidatas, o eleitor.

A compreensão da linguagem como fenômeno biológico, quer dizer, como um entrelaçamento recursivo de coordenações de ações, sentires e emoções,  nos induz a enxergar que a palavra “reforma”, secundária no contexto, diga-se de passagem, não evoca mudança alguma. Pelo contrário, toda reforma tende a conservar o que já existe; a reforçar estruturas “preexistentes”, ampliando comodidades. Claro! De modo a atender às conveniências do status reformador. Basta pensar na reforma de uma estrutura qualquer, como a de uma casa, por exemplo: altera-se a forma, reforçar-se as estruturas, muda-se a cor, acrescenta-se anexos, deixando-a mais confiável e aprazível. Mas não dizemos que a casa é outra. Por quê? Porque permanecemos na mesma casa. Desta feita, alterada por obra da reforma.

Vale insistir: quem se coordena para reformar algo indica, de plano, que não deseja mudar nada, pois a função da reforma não é outra senão a de manter as coisas como estão, com um ajustezinho aqui, outro ali, de maneira a satisfazer o conforto do status quo. Ainda que nem toda reforma o seja, sustento que, no campo político, toda proposta de reforma exala cheiro de tapeação, quando tal termo é usado maliciosamente para evocar “coordenação de mudar”, posto que toda proposta de mudança implica “deslocamento”. Ao contrário da de reforma, em cuja coordenação de conduta descansa o ardente desejo de permanência. É o que de fato acontece na nossa práxis cotidiana.

Na realidade, se alguém nos diz que mudou de endereço, não resistimos em perguntar, imediatamente: para onde?, pois temos por certo que qualquer mudança de endereço implica deslocamento no espaço físico. Portanto, se uma pessoa diz que mudou de endereço, mas permanece no mesmo local, com ânimo definitivo, algo de anormal estará acontecendo, pois alguém que está imbuído na emoção de mudar, não pode fluir simultaneamente na emoção de permanecer. Conclusão que também se aplica às mudanças que se dão no espaço psíquico. Alguém que diz: Estou feliz!, e sempre gozou da felicidade, não pode ter mudado de ânimo. Teria mudado se estivesse triste, talvez!

O truque do “faz de conta” só é possível num domínio cognitivo em que a biologia do observador não influiu em suas coordenações consensuais de ação; num espaço em que a linguagem simbólica seja alçada à condição de prótese organísmica, meramente descritiva do meio envolvente, com potencialidade para substituí-la, como propõem as filosofias da linguagem e da consciência, que enxergam o processo cognitivo na forma de um mecanismo de representação do mundo que nos circunda. Ocorre que na experiência as coisas não operam dessa maneira.

A linguagem, ao modo de um sistema de signos, é capaz mesmo de produzir nos inadvertidos a “ilusão” de que a palavra substitui a experiência, passando, com isso, a ideia de que a simples enunciação do vocábulo “reforma” realiza, concretamente, a coordenação comportamental do organismo, correspondente ao deslocamento físico ou psíquico, que se dá na ação de mudar. Trata-se de mágica só implementável no espaço da linguagem simbólica, como decorrência de efeitos semióticos artificiais. Contudo, quando perguntamos pela coordenação de conduta que o signo “reforma” evoca, nos damos conta de que a “ação de reformar” não implica deslocamento algum, mas, sim, permanência. E nesse sentido “reforma” e “mudança” se apartam, porque efetivamente constituem coordenações de condutas diferentes.

Doravante, então, seria convinhável aos desavisados, que fazem uso da palavra reforma, indicarem claramente aos leitores, ouvintes e eleitores se a utilizam no domínio simbólico corrente do faz de conta, supostamente racional e objetivo, ou se pretendem com ela evocar efetiva mudança no atual estado de coisas. Alerto, porém, que não se trata de uma escolha sem consequências, porque a opção por reformas, para evocar coordenações comportamentais de mudança, supõe que estejamos preparados para responder à seguinte pergunta: “Qual será o seu novo endereço?”.

*Revisado em 06/09/2014, 11h15.



[1] MATURANA, Humberto. Reality: The Search for Objectivity or the Quest for a Compelling Argument. The Irish Journal of Psychology, nº 1, 1988, Vol. 9, pp. 25-82. Disponível em: <http://www.enolagaia.com>. Acesso em 25 jan. 2012.

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