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Por que a opinião de Joaquim Barbosa desagrada tanto?

O fato de o ministro Joaquim Barbosa, presidente da Suprema Corte brasileira, vira e mexe, pedir desculpas publicamente, por suas grosserias, evidencia o destempero de seu comportamento, a ponto de alguns críticos por em dúvida seu preparo para o exercício do mais expressivo cargo do nosso Poder Judiciário brasileiro. Mas serão essas censuras rotineiras manifestação do legítimo direito de crítica ou de refutação a supostos excessos verbais do eminente magistrado, ou, no fundo, tratam-se de uma forma sutil de destilar preconceitos, inaceitáveis  em um espaço democrático como o nosso?

Com efeito,  há poucos dias, o ministro Joaquim foi alvo de várias notas de desagravo: de seus pares, no caso da reunião com representantes de associações de juízes, em que Barbosa alfinetou o apoio dado pelos magistrados à criação de novos tribunais federais ; da OAB, que repudiou uma “piada” de mau gosto do ministro, envolvendo advogados supostamente “dorminhocos”; e, finalmente, dos políticos, que reprovaram veementemente a tese barbosiana segundo a qual, no Brasil, temos “partidos políticos de mentirinha”, porque desprovidos de ideário.

É certo que Barbosa prefere a acidez da sinceridade à edulcoração da hipocrisia. E isso viola a lógica da cultura patriarcal/matriarcal atual, em cujo domínio não se pode falar o que o outro (interlocutor) não quer ou não deseja escutar. O problema é que o ministro Joaquim também conserva e retroalimenta o mesmo modo de vida de seus críticos, quando assume a posição de dono da verdade, negando legitimidade às preferências que o desagradam. Então, como conciliar essa manifesta contradição idiossincrática?

Sustento que o atual estado da arte nos permite vislumbrar duas maneiras de pensar: uma que rotulo de colonialista; e outra de pós-colonialista.  A maneira de pensar colonialista faz referência ao modo de escutar em que o interlocutor espera ouvir um argumento que coincida com o seu jeito particular de pensar;  já no modo de escutar pós-colonialista, porém,  o interlocutor ouve o que o outro tem a dizer, sem qualquer restrição, procurando apenas certificar-se de sua validade, desde certo critério epistemológico ou de aceitabilidade, acessível a todas as pessoas no espaço social.

Assim, na linha do modo de escutar colonialista,  expressão da cultura patriarcal/matriarcal dominante, a razão ou a verdade aparece como uma questão de poder, de sujeição, de exigência, na medida em que cobra obediência de quem não tem acesso a uma suposta realidade objetiva, universal. Acaba prevalecendo a razão do mais forte (intelectualmente, economicamente, politicamente, religiosamente). Se não nos rendemos à verdade a que somente o  poderoso tem acesso: somos tachados de loucos, mentecaptos, burros, ignorantes. É o que, lamentavelmente, se dá na linha de pensamento vivenciada pelo ministro Joaquim e seus desafetos, que acham que sabem o que creem saber. Nesse domínio de vaidades, as certezas tendem a se distanciarem, sempre.

No espaço de pensamento pós-colonialista não há certezas, mas, sim, ação-reflexão, porque o respeito ao outro supõe incondicional desapego. Na verdade, quem tem certeza está logicamente impedido de pensar. Ora, refletir para quê, se não tenho dúvida a respeito do que poderei pensar? A maneira de pensar pós-colonialista, avessa a exigências, a submetimento, ao poder, aceita que ninguém fala senão de certo fundamento, cuja legitimidade estará sempre fora de questão. Por isso, o que falam os advogados, os juízes, os políticos, os populares merece respeito recíproco, posto que todo argumento será sempre expressão de uma preferência, de uma escolha, e não uma referência a uma suposta realidade transcendente, como supõem os colonialistas, herdeiros da cultura patriarcal europeia.

Nesse estéril impasse entre doutas ignorâncias, como diria o teólogo renascentista Nicolau de Cusa, segue-se, então, que o razoável é que advogados, jornalistas e juízes desapeguem-se do preconceito e respeitem o ministro Joaquim, sendo a recíproca, também, uma verdadeira verdade. Inescapável, por sinal. Sobretudo em um espaço orientado por um regime democrático, em cujo domínio a hierarquização de ideias, ou de opiniões, soa um despropósito.  Definitivamente, é irracional, sob um regime que assegura as liberdades de pensamento e de opinião, pretendermos distinguir a superioridade de uma opinião em relação a outra qualquer? O que seria, então, da liberdade?

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