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Socialismo será uma questão de sobrevivência, diz Boff


02/11/2005
O teólogo brasileiro Leonardo Boff diz ao El País que todos seremos socialistas por instinto

M. Ormazabal
Em San Sebastián

O teólogo brasileiro Leonardo Boff, que em dezembro completará 67 anos, uma das vozes mais perseguidas pelo Vaticano, continua proclamando a necessidade de uma aproximação inter-religiosa entre o mundo cristão e o muçulmano, e a luta contra o sofrimento a que o atual sistema mundial submete os pobres.

O pai da teologia da libertação está fazendo conferências em Guipúzcoa e Navarra (Espanha) sobre ecologia e espiritualidade, a nova ética planetária e o mundo globalizado.

El País – Quais são suas grandes preocupações vitais?

Leonardo Boff – A humanidade tem dois problemas graves e iminentes. O primeiro é a crise social mundial, todo o processo de unificação dos mercados que favorece a alguns poucos. Há um oceano de sofrimento, de marginalização, de fome e de sede. Vivemos situações de barbárie diante de uma superabundância de meios de vida.

Há riscos de uma bifurcação da humanidade, por um lado os que podem, que criarão para si um mundo à parte, montarão um novo Muro de Berlim e poderão viver até 130 anos graças à biotecnologia; e de outro o resto, que vive o processo comum da vida. O problema é considerar desiguais os que são diferentes até afastá-los da família planetária. O outro grande problema é o alarme ecológico. A terra está doente e está chegando ao limite. São preocupantes a crescente escassez de água potável e o aquecimento do planeta. Pode criar-se um enorme desequilíbrio da paz social.

EP – O senhor teme uma guerra global?

Boff – Isso também, a guerra infinita de Bush. Não é preciso apenas ser a favor da paz; é preciso ser decididamente contra a guerra. A estratégia de Bush consiste em utilizar a violência e todo tipo de armas para resolver os problemas. É muito arriscado, porque só um país covarde pode fazer guerra contra o Iraque e o Afeganistão, mas não pode fazer contra o Paquistão, a Rússia ou a China, que têm armas de destruição em massa.

EP – Nesse contexto, qual deve ser o papel da Igreja?

Boff – É preciso fazer distinções na Igreja. O Vaticano é uma multinacional que participa da cultura do Ocidente e é cúmplice de sua política ambígua. Apesar disso, é importante que o papa João Paulo 2º tenha sido tão decidido contra a guerra e a favor dos direitos humanos. A tarefa fundamental da Igreja, mais que cuidar de sua sobrevivência, é alimentar a chama espiritual junto às demais religiões. Por outro lado, João Paulo 2º se afastou das demais religiões e tensionou as relações.

EP – O senhor considera Bento 16 capaz de reconduzir essa linha?

Boff – O papa fez bem ao reassumir o Concílio Vaticano 2º, que significa abrir a Igreja ao mundo, aceitar a existência de muitas igrejas locais e sobretudo a necessidade de reforçar o diálogo entre religiões, sob a perspectiva da paz. Ele, como teólogo inteligente, sabe que esses são os eixos básicos, mas será preciso esperar sua encíclica.

EP – Não se pode impor a paz, diz o senhor. Qual é o método para a solução de conflitos?

Boff – A disposição ao diálogo e às negociações para buscar acordos. É preciso saber renunciar, conceder e pensar que todos ganham. Até hoje o Ocidente sempre impôs os termos da ordem mundial, o que produziu muita decepção no mundo árabe e humilhação no Terceiro Mundo.

EP – Existe disposição a um acordo no mundo muçulmano?

Boff – As grandes religiões têm hoje uma grande doença: o fundamentalismo. Há grupos e documentos do Vaticano muito fundamentalistas. Os muçulmanos, a mesma coisa. Em ambos os casos a raiz da falta de entendimento não está na religião, mas na política.

EP – Em vez de a humanidade se bifurcar, mais parece que haverá um choque de civilizações.

Boff – O mundo árabe e o ocidental estão se enfrentando desde o século 8º e ainda precisam superar a satanização mútua. Muçulmanos e cristãos precisam de estratégias de mútua hospitalidade.

EP – Caberia falar em um terceiro bloco, encarnado pelo socialismo real que inspirou a teologia da libertação. Essa via fracassou por culpa de alguns dirigentes?

Boff – O socialismo é um movimento de grande generosidade porque seu propósito básico é resgatar os pobres e oprimidos do mundo. É um dos sonhos mais antigos do mundo e continua sendo uma utopia, mas o problema é que se empregaram meios totalitários para tornar esse sonho realidade.

O socialismo teórico consiste na radicalização da democracia, e esse sonho não deve morrer. A democracia como valor universal, como forma de governo, de participação, controle e distribuição do poder. Eu vejo futuro no socialismo.

Digo mais, dentro de não muitos anos todos seremos socialistas por instinto de sobrevivência, não por ideologia. Os recursos da terra serão tão escassos que ou os administramos de forma eqüitativa ou não haverá para ninguém. O capitalismo está chegando a seu limite. Outro mundo é possível se os seres humanos o quiserem.
Com Uol Mídia Global.

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